28 de jul. de 2008

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16 de julho de 2008
Capoeira: Patrimônio Brasileiro
Manifestação cultural está inscrita nos Livros dos Saberes e das Formas de Expressão

No DNA físico e cultural do povo brasileiro está a contribuição africanae só por preconceito é possível não reconhecê-la.
Juca Ferreira, ministro da Cultura interino
O registro do Ofício dos Mestres de Capoeira e da Roda de Capoeira como forma de expressão é mais um símbolo de uma vontade política que não se encerra no Iphan ou no Ministério da Cultura, mas que reflete o desejo maior da sociedade de promover e valorizar as expressões culturais vinculadas aos setores culturais historicamente excluídos das políticas de Estado.
Luiz Fernando de Almeida, presidente do Iphan
O dia 15 de julho de 2008 vai ficar marcado na memória dos Mestres de Capoeira, dos capoeiristas e de todos os admiradores de uma das maiores expressões culturais afro-brasileiras: a Capoeira. Essa é a data em que a manifestação foi reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro e registrada como Bem Cultural de Natureza Imaterial.
A proposta de registro - a inscrição do Ofício dos Mestres de Capoeira no Livro dos Saberes e da Roda de Capoeira no Livro das Formas de Expressão - foi aprovada pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), durante reunião nesta terça-feira, em Salvador.
Capoeiristas da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro se distribuíram em diversas Rodas de Capoeira em frente ao Palácio Rio Branco, no centro da capital baiana, enquanto aguardavam o resultado da votação, que estava sendo realizada na Sala dos Espelhos, da antiga sede do governo estadual.
Os membros do Conselho Consultivo - composto por representantes de entidades governamentais e da sociedade civil - acataram, por unanimidade, o registro da Capoeira como Patrimônio Cultural. A sessão deliberativa ocorreu com a presença do ministro da Cultura interino, Juca Ferreira; do governador da Bahia, Jaques Wagner; do presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida; do presidente da Fundação Cultural Palmares, Zulu Araújo; dos embaixadores Kayode Garrick e Fode Seck, respectivamente da Nigéria e do Senegal; além de autoridades locais.
“Hoje tenho certeza que estamos vivendo um momento histórico nesse processo de valorização da Capoeira”, afirmou Juca Ferreira, ao ressaltar que com a decisão o Brasil fica mais próximo do ideal da democracia racial. “O significado maior desse dia não beneficia apenas a Capoeira, mas beneficia a todos nós, beneficia o Brasil.”
“Fiquei pensando, antes de chegar aqui, se era coincidência que os dois presidentes que fizeram movimento em direção à Capoeira tenham sido Getúlio e, agora, o Lula. Acho que não. Foram os dois presidentes que mais se aproximaram da população brasileira e de colocar o Estado mais próximo da população.”
Homenagem - Após o anúncio da decisão do Conselho, Juca Ferreira foi homenageado pelos capoeiristas, na Praça Municipal Tomé de Sousa. Na ocasião, lhe foi ofertado um cartão com uma caricatura dele ao lado do ministro Gil, com frase de exaltação: ‘Capoeira, Educação e Cultura’.
Festa de Celebração
À noite, no Teatro Castro Alves, ocorreu uma grande comemoração que reuniu autoridades, personalidades e populares. Em pronunciamentos exibidos por meio de um telão, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro da Cultura, Gilberto Gil, enviaram seus cumprimentos e celebraram o título de Patrimônio Cultural Brasileiro recebido pela Capoeira.
O evento contou com espetáculo no qual participaram a Orquestra de Berimbaus da Bahia, o músico Wilson Café acompanhado de adolescentes da Escola de Educação Percursiva Integral, o Mestre Lourimbau, Roberto Mendes, Mariane de Castro, Ramiro Musotto e Mestre Nenél (filho de Mestre Bimba), além do percussionista pernambucano Naná Vasconcelos.
O presidente Lula afirmou tratar-se de uma data muito especial para o país e que a Capoeira é motivo de “orgulho nacional, praticada em mais de 150 países de todos os continentes”. “Foi preciso muitos anos para que reconhecêssemos o seu valor cultural. Getúlio Vargas foi quem deu o primeiro passo ao receber pessoalmente o Mestre Bimba, criador da Capoeira como arte marcial. De lá pra cá o Estado se dividiu entre a perseguição e a indiferença à Capoeira, chegando até a dizer quem poderia e quem não poderia ensinar essa arte. Mas tudo isso é passado. Estamos finalmente fazendo justiça.”
“A Capoeira dança, Capoeira luta, Capoeira artes circenses, Capoeira em todos os sentidos. Parabéns aos capoeiristas, parabéns a todos nós brasileiros”, exultou o ministro Gilberto Gil, por sua vez, ao apoiar a decisão dos conselheiros: “já era hora; muito merecida”.
A Bênção, Mestres!
O ministro interino Juca Ferreira afirmou que “faz parte da repactuação que estamos vivendo neste momento no Brasil, de qualificação de nossas relações, de zerar a nódoa da escravidão no Brasil. Isso tem que ser tarefa de todo homem e toda mulher de bem no Brasil”. “A dificuldade do Estado brasileiro em reconhecer a grandeza dessa manifestação é um sintoma que a herança da escravidão deixou marcada na nossa sociedade.” Nesse contexto, ele ainda parabenizou o presidente da Fundação Cultural Palmares, Zulu Araújo, pela atuação da instituição no processo de resgate e valorização das raízes africanas na cultura do país.
“Amanhã nosso país vai acordar mais generoso, mais próximo de si mesmo, um pouquinho mais perto da nossa grande utopia da democracia racial”, declarou Juca Ferreira, que estava visivelmente emocionado e foi muito aplaudido. Também ressaltou que o ato não seria completo se não fosse reconhecido o saber dos mestres: “sem ele é como se a Capoeira fosse corpo sem alma. A bênção, Mestres. A bênção, Pastinha. A bênção, Bimba. A bênção, João Pequeno. E a bênção a todos os Mestres presentes e os futuros”.
O governador Jaques Wagner divulgou que a Secretaria de Meio Ambiente da Bahia já está tratando do manejo da biriba e das outras madeiras que servem à orquestra de Capoeira, além da preservação das cabaças, que são fundamentais para a dança da Capoeira. E anunciou que em 2009 o estado sediará o primeiro festival internacional da Capoeira.
“Eu considero [a Capoeira] não sei se luta, não sei se dança, não sei se brincadeira, se jogo. Na verdade, como luta, na Capoeira a gente não machuca. Como dança, na Capoeira cada movimento é absolutamente imprevisível, cada um faz o movimento do seu jeito. Como música, cada um fica no seu canto, sempre inspirado no mesmo contexto. E como jogo, jogar em roda significa que a gente não tem um chefe, a gente tem um mestre”, explanou Jaques Wagner.
Em seu discurso, o secretário Márcio Meireles reforçou o ‘momento histórico’ e falou sobre a parceria da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia com o Ministério da Cultura em vários programas. “Estamos ajudando na coordenação do Edital Capoeira Viva, que está em sua terceira edição este ano. Estamos lançando mais dois editais da Capoeira junto com o Ministério também.”
Desde a instituição do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, em agosto de 2000, já haviam sido registrados 13 bens representativos da herança cultural do Brasil. O presidente do Iphan ressaltou que “o título é, no entanto, apenas a culminância de um processo muito mais complexo, uma política de reconhecimento do valor patrimonial que acolhe demandas das próprias comunidades produtoras dessas manifestações culturais. Política que está, por sua vez, vinculada ao trabalho constante de fomento e implementação de ações que visam a continuidade e ao fortalecimento da expressão cultural registrada”.
A documentação do dossiê que fundamenta o pedido de registro da Capoeira justifica essa solicitação enfatizando seu vínculo com as mais variadas áreas de expressão e conhecimento humano, tais como a arte expressa por diversas linguagens - dança, teatro, música, educação, antropologia, história. “Sobretudo em comunidades pobres, a Capoeira cumpre um papel decisivo na formação de crianças e jovens. Arte multidimensional, oferece um universo vasto a quem se propõe pesquisá-la”, destacou Luiz Fernando de Almeida.
O presidente da Palmares assinalou que “a melhor homenagem que a Fundação poderia prestar hoje aqui é relembrar o mestre e poeta baiano Waly Salomão, que dizia que a felicidade do negro é uma felicidade guerreira”. Zulu Araújo também apontou a presença, na platéia, de Abdias do Nascimento - criador do Teatro Experimental do Negro e do Museu de Arte Negra - que, aos 94 anos, prestigiou o evento e foi muito elogiado por seu papel pioneiro na formulação de políticas de igualdade racial e de ação afirmativa.
No palco, além das autoridades, representando os capoeiristas do mundo inteiro, estava João Pereira dos Santos, o Mestre João Pequeno. Discípulo de Mestre Pastinha, é um dos mais antigos mestres da tradicional Capoeira Angola em atividade. Prestes a completar 81 anos de idade, afirma orgulhoso: “eu não estudei, mas a Capoeira me deu vários tipos de doutor”.Plano de Salvaguarda da Capoeira
As políticas públicas voltadas para a Capoeira estarão configuradas em um Plano de Salvaguarda, que implementará as seguintes ações:
Reconhecimento do notório saber dos Mestres de Capoeira pelo Ministério da Educação
Espera-se que o registro do saber do Mestre de Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil possa favorecer a sua desvinculação obrigatória do Conselho Federal de Educação Física, ao qual a Capoeira está subordinada. Entende-se que o saber do Mestre não possui equivalente no aprendizado formal do profissional de Educação Física, mas que se estabelece como acervo da cultura popular brasileira. A proposta pretende contribuir para que Mestres de Capoeira sem escolaridade, mas detentores do saber, possam ensinar capoeira em colégios, escolas e universidades.
Plano de previdência especial para os velhos Mestres de Capoeira
Diante de um histórico de Mestres importantes, como Bimba e Pastinha, que morreram em sérias dificuldades financeiras, existe a sugestão da elaboração, junto à Previdência Social, de um plano especial para Mestres acima de 60 anos que tenham tido dificuldades de contribuir com a entidade ao longo dos anos. Como se trata de uma ação de emergência, que busca acolher os Mestres atuais que vivem em absoluto estado de carência, recomenda-se que essa proposta tenha implantação imediata e perdure até que os futuros Mestres possam dispensar essa ação de salvaguarda.
Estabelecimento de um Programa de Incentivo da Capoeira no Mundo
Outro ponto importante diz respeito à dificuldade dos Mestres circularem pelos países onde são convidados a ensinar Capoeira. Espera-se que o Itamaraty possa inserir a Capoeira nos seus programas de apoio à difusão da cultura brasileira e, dessa maneira, facilitar o trânsito de Mestres e grupos que oferecem cursos e apresentam rodas no exterior. O presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida, destacou, durante a cerimônia no Teatro Castro Alves, que a Capoeira é, atualmente, uma manifestação que representa o Brasil no exterior tanto quanto a Música Popular Brasileira e o Futebol.
Criação de um Centro Nacional de Referência da Capoeira
Foi proposta a criação do Centro Nacional de Referências da Capoeira no Brasil, que será virtual, de caráter multidisciplinar e multimídia, com o objetivo de abrigar produções científicas, acadêmicas e audiovisuais, dentre outras. Espera-se que essa iniciativa possa facilitar consultas de referências existentes sobre a Capoeira.
Plano de manejo de biriba e outros recursos
Atualmente, existe um amplo e crescente mercado de bens culturais constituídos por itens da cultura material da Capoeira. Muitos deles são confeccionados artesanalmente, valendo-se da técnica e matéria-prima nativa do Brasil. A biriba - madeira tradicionalmente utilizada na confecção dos berimbaus - é a mais utilizada, mas há outras madeiras da Mata Atlântica ameaçadas de extinção, como o pau d’arco, a pitomba, a tauarí , dentre inúmeras outras. Sugere-se o plano de manejo dessas espécies nativas ameaçadas para atender à crescente demanda de matéria-prima para a confecção dos berimbaus e demais instrumentos.
Fórum da Capoeira
O objetivo desse fórum é estimular encontros periódicos dos Mestres e estudiosos da Capoeira, em parceria com universidades. É notório que alguns Mestres possuem conhecimento acadêmico, mas não é o caso da maioria. Pretende-se com essa medida integrar a tradição oral ao ambiente de pesquisa acadêmica.
Banco de Histórias de Mestres de Capoeira
Com a criação dessa medida, serão realizadas oficinas de história oral para capoeiristas interessados em registrar as trajetórias de vida de Mestres antigos. O objetivo desse banco é dar suporte e integrar o Centro Nacional de Referências da Capoeira.
Realização do Inventário da Capoeira em Pernambuco
Existe a intenção de incentivar, auxiliar e aprofundar as pesquisas sobre a Capoeira em Recife, com base nas referências indicadas durante o processo de inventário utilizado no pedido de registro.
Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção - Na mesma sessão deliberativa, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan também aprovou o tombamento da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, do Século XVII - que deu origem e nome à capital do Ceará - e sua inscrição em três dos Livros do Tombo: Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Histórico; e das Belas Artes. Leia mais.
(Texto e fotos: Carol Lobo, Comunicação Social/MinC)(Foto capa: AGECOM/BA)
Publicado por Sheila Sterf/Comunicação Social
Categoria(s): Notícias do MinC, O dia-a-dia da Cultura
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3 comentários para "Capoeira: Patrimônio Brasileiro"
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21 de julho de 2008 às 12:10 REGINALDO TEMPESTA
JÁ ERA HORA DE A CAPOEIRA SUBIR AO SEU DEVIDO LUGAR, MAS AINDA FALTA MUITO PRA SE ORGANIZAR E SER OBRIGATÓRIA EM ESCOLAS E UNIVERSIDADES.
21 de julho de 2008 às 10:19 nilton
Parabéns a todos pelo reconhecimento da Capoeira, que Deus ilumine todos que lutaram para este tão esperado dia, estou muito feliz e isto me faz mais forte para ensinar crianças, adolescentes e adultos a valorizarem a cultura maravilhosa da capoeira.
19 de julho de 2008 às 9:04 gisela borges

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